Tuesday, October 30, 2007

Blue moon

Não consigo esquecer domingo à noite, que maravilhoso momento da minha vida, onde tudo fazia sentido. Descobri a blue moon, a segunda lua cheia do mês grande e amarela que em contraste com o céu escuro o torna de um azul petróleo fascinante. A baía ilumina-se de um prateado singular, e a cidade sem luz torna-se brilhante recortada pelas montanhas que a rodeiam. Jantei no ocean view, que mais não é que um estrado de madeira montado na areia, com o mar aos pés, apenas as velas e a lua iluminam o jantar. Um jantar delicioso pela companhia que me parece vir a ser um bom amigo, a ver vamos.
Mas é o exacto momento de volta para o hotel, dentro do jipe conduzido muito devagar, enquanto se falava de literatura, que vejo as bancas de madeira ainda com os legumes e outros produtos e as cabanas onde vivem os locais iluminadas por pequenas velas, pontos brilhantes ao longo da estrada de terra batida, com a baía iluminada e a lua alta. Ainda que use todos os adjectivos e elabore na minha descrição, é impossível transcrever com o exacto sentimento o que senti e o que vi.
Não pode este momento ser vítima do ciúme. Prometo tentar que vivam um momento assim quando me visitarem, sendo certo que são os olhos de cada um de nós que o torna especial.

Não pensem porém que tudo é lindo e o quadro perfeito. As intervenções nos campos de refugiados produz tensão e sente-se, eu sinto, algum desconforto quando caminho na rua. Como um dos países mais pobres do mundo, Timor vê as suas crianças a aglomerarem-se em torno dos malae a pedir. Muito sujos, com a cara cheia de lama correm a pedir rebuçados, olhos gigantes castanhos e com voz estridente para chamar a atenção. E quando queremos resolver algum assunto já há, neste muito jovem país, a natural tendência para se extorquir dinheiro dos mais incautos ou dos que não se incomodam desde que vejam satisfeitas as suas necessidades.

Sunday, October 28, 2007

A primeira semana...

Chega ao fim a primeira semana em Timor. A intensidade dos acontecimentos não me permitiram sentir falta, não me permitiram pensar o quão estranho me é este país. As pessoas são pessoas em qualquer parte do mundo, e movidas pela solidariedade tornam-se solicitas e prestáveis para com quem chega. Entre inúmeras festas conheço muitos malae que por aqui vão estando. A primeira festa de aniversário, a primeira lua cheia, a primeira aula de yoga, a primeira aula de aeróbica, as apresentações espontâneas e os convites para jantar. Os primeiros telefonemas com convites ou apenas olá... E tudo isso me faz sentir bem vinda. Penso já nos móveis com que decorarei a casa e o jardim. Muito fica por contar pois estaria a identificar pessoas e situações, mas com certeza tudo o que ouvi me fará aprender a viver num novo país.
Escuto atentamente as conversas, ávida por aprender o possível sobre a minha nova casa. Há, parece-me, um denominador comum em todas estas pessoas, a vontade de participar na construção, a utilidade do que são e do que podem fazer em prol de uma sociedade melhor.

Momentos mais marcantes entre os outros inenarráveis

A primeira aula de aerobica.
Por entre os quase escombros de um edifício pertencentes a um clube local reuniram-se meia dúzia de pessoas, com a comum vontade de praticar desporto e se manterem em forma. Entre paredes chamuscadas e a lua a iluminar o recinto, a diversão foi total. Não faltou a música e os alteres para exercitarmos animadamente os músculos. Nenhuma fotografia poderia reproduzir o que se sente num local assim. Aí percebi que a vontade poderá sempre superar eventuais impossibilidades a que nos habituou o Ocidente em paz. E deitados em toalhas sobre um chão muito sujo fizemos os nossos exercícios e lá em cima a lua cheia sorridente não nos fez esmorecer, pelo menos a alguns...

A primeira saída noturna.
Fui advertida que poderia sentir-me intimidada... senti-me uma personagem num filme americano. Entrei numa das discotecas cá do sítio, sim há efectivamente discotecas, e imediatamente as cabeças dos quantos militares off duty se viraram, a altura dos homens e a sua estrutura física são impressionantes, para quem como eu mede o seu metro e meio. E alguém me dizia, uma mulher, que tendo dançado com um tinha sentido que o mesmo indivíduo estava armado. O seu pensamento, bastante sensato, de resto, era, e se estes homens já alcoolizados se aborrecem com alguma situação??Esperamos sempre pelo melhor. Passei a noite a observar atentamente todos à minha volta. Fui encontrando alguma caras conhecidas com quem fui falando e me informando acerca de uma ou outra coisa. Já tenho indicação onde aprender tetum. Tentarei fazê-lo o quanto antes. Para mim é essencial.

De volta a casa, ou melhor ao quarto de hotel, deparamo-nos com um acidente. Deitados no chão jazem dois timorenses motociclistas abalroados por alguém. Saímos do jipe e a rapariga com quem estou que tem curso de socorros a funções vitais (se apreendi bem o nome) verifica que o primeiro está morto e ao se aproximar do segundo os quantos que já se encontravam no local gesticularam e falando em tetum dizem também estar morto.
Rapidamente chegam as ambulâncias e a GNR que se encontra cá em missão. Cumprida a função social de auxílio vamos embora. Aprendi no dia seguinte a propósito deste acontecimento que se alguma vez atropelar alguém à noite não devo parar, ligo para o 112 a informar do acidente e sigo para o posto da polícia próximo onde me apresento e relato o acontecido, deverei voltar ao local apenas acompanhada por eles. Questionando se tal comportamento não se afigura incorrecto para com a população, descobri com a resposta que esta seria a via para que a minha segurança não fosse colocada em risco. A população poderá reagir contra os malae nestes casos.
E não obstante a confusão que isso me causa percebo ser a via a tomar.

Primeiro dia de praia.
As praias variam entre areia branca e areia escura (não será preta, mais parece avermelhada, não sei precisar), denominador comum das praias próximas de dili – existem detritos, garrafas de vidro, plásticos, pontas de cigarro entre outros, mas a água, essa, é indescritível. É inviável refrescar dentro de água em dias de extremo calor, a temperatura da água não o permite. Não sei se há peixes ou outros seres vivos estranhos e perigosos, tento não pensar nisso enquanto nado e sinto os corais por baixo de mim. Tenho a ilha de Ataúro em frente e nas minhas costas as montanhas que acabam na estrada da praia do Cristo Rei.

Não vos poderei dizer aqui o nome das pessoas que me acompanharam nestes episódios, mas a elas devo, com grande agradecimento, o bom início na minha esperada longa estadia por Timor.

Tuesday, October 23, 2007

O primeiro dia...

Agora sou uma Malae, e não uma Malae de dias contados pelo calendário de férias, vim para ficar por uns tempos, porque na vida só ficamos por uns tempos! Atordoada pelo calor não senti nenhuma emoção especial quando cheguei. Olhei a ilha da janela do avião com a natural curiosidade de quem chega a um lugar novo. Mais que isso não senti, talvez uma pontada de decepção por não ter a vegetação tão luxuriosa quanto esperada.
O atavismo do calor e dos dois dias a viajar foi subitamente interrompido quando a mala onde tinha o passaport e o laptop desapareceram da cabine do avião. E numa correreria tentou-se evitar o pior. O único pensamento que me ocorreu foi "como vou eu entrar no país ou voltar à origem? "Enfim tudo se resolveu. Um timorense a quem a mãe lhe tinha falecido, desaustinado pelo facto, sem querer, trocou as malas.
Foi porém um momento importante para perceber que teria que aprender tetum, o polícia na fronteira dificilmente me compreendeu.Não podemos habitar num país onde não compreendemos a sua língua, ainda que entendido como um dialecto, a verdade é que este povo fala tetum.
O episódio passou, era altura de nos encaminharmos para o hotel. Era altura de ver mais. E pelas estradas empoeiradas e esburacadas foi-se-me apresentando a cidade, sem qualquer emoção, mas jamais esquecerei as tendas dos refugiados que que se avistavam nos jardins, as roupas e alimentos, os porcos nas estradas e as casas velhas e decadentes.
Há muito mais a ver, seguramente com as emoções que não senti...isto é só o início!