Friday, December 28, 2007

Uma visita ao hospital local.

Vencida a minha teimosia em ir ao médico, acordo com a mensagem da mana Cata combinando passar em minha casa para me acompanhar à Clínica. Como acontece em quase todos os lugares de Dili encontramos à porta da Clínica um amigo. Não se dá um passo sem que se encare alguém conhecido.
Bom, relatando os meus sintomas ao médico o mesmo diz-me ser necessário fazer análises ao sangue. Escreve na requisição suspeita de dengue e solicita um CBC e teste ao Dengue. Informa-me que para realizar a recolha de sangue e a sua análise deverei ir ao laboratório nacional que fica no Hospital Público Guido Valares. Lá vamos nós, eu e mana Cata, atravessamos a cidade com a minha face cada vez mais pálida. Entramos num bairro habitado por timorenses e encontramos a entrada do hospital circundada pelas bancas comerciais. Sendo certo que esta é a minha primeira experiência num hospital público num país subdesenvolvido, não poderei compará-lo nem dizer que é muito mau. Afinal como serão os hospitais de países como Sudão, Ruanda, Etiópia e outros que tais?
De todo em todo, o facto é que o hospital é composto por vários pavilhões de paredes velhas, sujas e deterioradas, com janelas ainda mais sujas e rachadas.
Tentamos encontrar o edifício principal para perguntar onde é o laboratório. Ao entrarmos num dos edifícios percebemos que se pode morrer ali facilmente de tudo menos da maleita pela qual lá entramos. Os profissionais de saúde não falam tetúm nem português, e inglês sabe Deus. Uma grande maioria são cubanos e por isso mesmo lá arranhamos nós o espanhol para que nos indiquem o sentido do laboratório. Os consultórios e as enfermarias são dois em um e os corredores também vão servindo. Bem, dir-me-iam os portugueses, mas nós também temos disso em Portugal! Certíssimo! Mas não a este nível em que os doentes e a família dos mesmos se encontram todos no mesmo local, com portas abertas e em que todos os que precisam disto e daquilo se deslocam por ali. As paredes estão manchadas de sujidade, não há ar condicionado a funcionar devidamente, num país em que a temperatura média durante o dia é de 32 graus. Os espaços exíguos estão apinhados e nós vamos perguntando às pessoas de bata semi-branca onde é o laboratório. Ninguém percebe! Vamos percorrendo os corredores e enfermarias, e os doentes e suas famílias, todos eles timorenses, olham para nós com ar curioso. Afinal que fazem ali duas malaes sem bata?? Chegamos a um corredor ao ar livre que leva a outros edifícios e finalmente deparamo-nos com um médico que nos compreende entre o espanhol e o inglês. Toda esta descrição é pobre demais para a imagem do hospital. Chegadas ao laboratório falo na pseudo recepção, onde se encontram dois timorenses. Peço para chamar uma senhora que supostamente é responsável. A senhora aparece, cumprimenta-me, profere algumas palavras aos timorenses, vira costas e vai embora. Não percebi bem o que se passou, mas, ali mesmo, ao lado da pseudo recepção está uma cadeira, daquelas usadas para recolha de sangue, uma mesa com agulhas (graças a Deus em invólucro) uma caixa de algodão exposto ao ar, um garrote cor de terra, não obstante ser originalmente branco, e um syringe disposer. O homem da recepção sai de luvas infectas calçadas, acompanhado pelo seu fiel companheiro. Trocam entre eles umas palavras em tétum, que eu confesso não ter compreendido, dirigem-se a mim e pedem-me para sentar.
“-Desculpe, mas não é o senhor que me vai tirar sangue, pois não??” “Catarina, eu não tiro sangue com este senhor” “Mas o senhor sabe tirar sangue???” Sou completamente ignorada pelo homem que começa o ritual de pegar na seringa e no algodão. A luva dele é tão suja que não quero que me toque. Elevo a voz e digo que não quero que seja ele a tirar-me o sangue. O homem continua a ignorar-me e o outro ri-se. Vejo-o a aproximar-se do meu braço e entro em total pânico. A Catarina põe-me a mão no ombro e diz-me para ter calma. CALMA!!!!! O homem é o recepcionista. Sou absolutamente ignorada, a Catarina diz-me que o homem deve saber o que faz, mas a verdade é que até o semblante dela confirma as minhas suspeitas. O homem é o recepcionista que, à falta de recursos humanos, aprendeu a tirar sangue e foi praticando nos timorenses que por ali passam. Ali mesmo, naquele corredor decadente, rodeada pelos três, que respiram pesadamente sobre mim, face o extremo calor que se faz sentir, vejo o meu braço apertado por um garrote infecto, o local onde se encontra a veia limpo por um algodão exposto, local esse novamente infectado por um dedo indicador sujo, pois a luva de latex (também suja, de resto) que o homem usava tinha o dedo indicador cortado. O homem não faz grande esforço para verificar onde está a minha veia, e num jeito de lançador de dardos, espeta-me a agulha que naturalmente falha a veia. Escarafuncha um pouco para encaixar a agulha na veia e finalmente o sangue jorra para o tubo. Percebo a preocupação da Catarina, que sendo analista, entre muitas outras profissões, diz ao homem ser necessário mais sangue. O homem também a ignora. Retira a agulha e coloca um algodão sem mais. Os tubos não estão identificados e a Catarina, com um dedo a comprimir o algodão que está no meu braço e o outro a apontar para os tubos, ralha com os homens para que ponham correctamente o meu nome em cada tubo.
Não há pensos para substituir o algodão. Levanto-me, pálida, creio eu. E já sem nada para dizer. O momento tinha passado e eu experimentei um dos serviços de saúde de um hospital público de um país subdesenvolvido. Os resultados estariam prontos às três da tarde.
Não havia reagente para o dengue mas as plaquetas sanguíneas estavam normais, o que indicia em principio - dengue free.

Pensando agora friamente sobre o episódio percebo que foi um pequeníssimo momento com pouca gravidade, mas não deixa de ser uma pequena amostra do que de muito grave se pode passar noutros serviços de saúde.

Wednesday, December 26, 2007

As festividades!!

Como habitualmente me acontece nesta época, fiquei doente, stressei pela falta de presentes e pela organização em cima do joelho para a ceia de natal...faltou o frio (sem saudade), a mãe, o pai, a mana, os avós, os tios e os meus já grandes priminhos!!! Contei, no entanto, com a divertida presença da Catarina, Cris, Benjamin, David e Fernanda, e claro com o Óscar, isto porque o Natal passou-se na simpática casa do Dudi que está de férias no Brasil, com uma pequena paragem em NY (seu sortudo)!!!! A Melhor presença de todos, perdoem-me, foi a do meu José, que voou meio mundo para estar comigo! "Vive l'amour"!! Os presentes de Natal voaram directamente de Darwin sob pena dos convivas receberem tai ou sucedâneo. In the end, foi muito divertido! Ainda tentei ligar a alguns amigos que vivem no continente europeu, mas não foi possível falar com todos. Por isso mesmo, aqui ficam os meus votos de felizes festividades! Acima de tudo um 2008 cheio de prosperidade!

Os que requerem notícias minhas amíude, sim, sim, em particular RAL e RUDI, esperem até eu colocar um post sobre a minha primeira experiência no Hospital Nacional Guido Valadares - Dili! Um luxo literário vos digo eu...

Monday, December 10, 2007

check it out!

Visitem o seguinte blog: timorcartoon.blogspot.com

from all around the world

Encontramos em Dili quase todas as nacionalidades, e assim conheço pessoas de todas as partes do planeta. As festas e o lobby do hotel são locais ideias para apresentações e para a fácil pergunta de introdução: “- Where are you from?” and after that the conversation flows.
Confundo-me na língua a utilizar, o inglês, o francês e o espanhol vão sendo alternados e às páginas tantas falo noutras línguas com os portugueses. Já há progressos no tétum. Às conversas dos timorenses que de alguma forma me atingem respondo em português para surpresa dos intervenientes. Se a Eliza está presente, diz-me: "- Agora falta falar."

Nesta dinâmica de intercâmbio cultural estou eu sentada no jardim da casa de um amigo a ouvir contos e lendas das ilhas do pacífico e do Brasil. Os dois contadores de histórias usam a voz e expressividade facial para dar ênfase aos momentos mais emocionantes da lenda. Ao longe relâmpagos cortam o céu. E eu luto contra o João Pestana porque os contos são imperdíveis. Nestes momentos esbatem-se os sentimentos negativos de quem sendo malae vive num país em reconstrução, onde a natureza e as histórias de vida de cada um de nós é a nossa única diversão.

Até eu!

Até eu já faço comentários aos blogs dos malae... e neles vejo que há sentimentos e visões comuns. Maravilhosos cartoons ilustram realidades e sentimentos.

Monday, December 3, 2007

O dote...

Dudi vem-me buscar para fazermos o nosso jogging e vem acompanhado da sua secretária Dona Benvinda. Eu entro no carro e somos apresentadas. Dona Benvinda lança um dos mil sorrisos e um pequeno riso. Dudi fala em tétum, pergunta-me se estou bem e diz a Dona Benvinda que estou a aprender a língua e que rapidamente estarei a falar. Pergunta-lhe sobre o feriado do dia seguinte e se se prevê algum distúrbio. Dona Benvinda responde que não. Deixamos Dona Benvinda na sua casa que é uma tenda num campo de deslocados e seguimos para a nossa corrida. Diz-me então Dudi: “- Tenho que lhe contar algo, disse a Dona Benvinda que tinha dado 10 búfalos a seus pais e que você é muito, muito cara”.
Entre um sorriso e a indignação lá fomos falando sobre o dote. Nos vários distritos de Timor há a tradição do dote. O homem que quer casar com determinada rapariga tem que pagar por ela a seus pais. E por esta troca comercial a rapariga tem que ser trabalhadora sob pena de ser vítima de alguns açoites por parte do marido e sua sogra, afinal a rapariga custou uns búfalos e talvez umas cabras.

um dolar..

Numa conversa de café, a propósito de me ter convertido ao acto de regatear e de em Dili se pedir um dolar por qualquer coisa ou qualquer serviço, alguém me disse:
"- aqui tu és um dolar com pernas!".
E a imagética de um dolar com pernas ficou na memória ao ponto de me lembrar da pessoa sempre que alguém me pede um dolar.

Tuesday, November 27, 2007

toranja em Timor

Pois é verdade, estou eu dentro de um taxi a caminho da minha aula de tétum quando ouço uma música dos Toranja. A marginal está cheia de trânsito, um calor infernal mas a música essa leva-me até casa. E com os olhos do taxista postos em mim, através do espelho retrovisor, perco a vergonha e acompanho o vocalista enquanto olho Ataúro ao longe.

Monday, November 26, 2007

casablanca

Enquanto falava com José e lhe relatava o ambiente do hotel timor, ele com a sua imensa imaginação para a escrita literária me dizia: "isso parece-me o ambiente de um hotel em casablanca durante a segunda guerra mundial, com espiões e tudo...". e de facto, mesmo o aspecto meio decandente do edifício, as ventoinhas sempre girando no teto, as pessoas que entram e saiem, os olhares prescrutadores e as conversas sobre a situação política deixam no ar a ideia... olho em volta e penso nisso, com aquele sorriso que me é típico quando algo de muito engraçado me passa pela cabeça.

Sunday, November 25, 2007

Ode a Dudi...

...em quem eu (sua amiga pimentinha) tenho já respeito intelectual... pela visão livre de preconceito de olhar o outro e o mundo...e não é por fazer parte de uma minoria (uma pessoa que faz parte de uma minoria pode ser tão ou mais preconceituosa)...é por ser quem é...

Eliza

Caminho acompanhada pela minha professora de tétum (chamar-lhe-ei Eliza –personagem do livro de aprendizagem) por entre ruelas e carreiros estreitos ladeados de kolan (valetas fundas por onde correm águas pluviais e outras) que exalam um cheiro nauseabundo. Eliza vai-me mostrar casas, disse-me conhecer casas para arrendar. Eliza que aparenta ser uma muito jovem adolescente, pelo ar e fisionomia pueril, pela expressão amedrontada no rosto e pelo seu sorriso nervoso cada vez que vai contando algum acontecimento, é mãe de uma bebé de 9 meses. Na verdade Eliza tem 23 anos. Eliza tira da sua carteira duas fotografias e mostra-me orgulhosamente a sua filha. Sempre que estou sem o senhor Francisco e tenho aula, Eliza e eu caminhamos juntas para os nossos destinos. O meu é quase sempre o hotel para consultar o meu e-mail e Eliza vai para a Universidade ou para o seu serviço. E nestas caminhadas vamo-nos conhecendo. Ela faz-me a mesma pergunta muitas vezes: “- senhora tem Tauk (medo)?”
“Lae (não)!” respondo. E prossegue a contar os acontecimentos mais sanguinários que ocorreram nos últimos dias. Depois à medida que passamos em casas ou outros locais fala-me das atrocidades ocorridas durante a ocupação indonésia, de 99 e da crise de 2006. E sinto que isto que me conta é um segredo que não sendo meu me impele a não divulgar. Sinto que todos os relatos que tenho ouvido são um segredo. Mas não o deviam ser. Ela relata-me os factos e termina com um riso fino e esganiçado. E só compreendo esse riso por puro nervosismo, porque em tudo que me conta é impossível vislumbrar qualquer centelha de diversão.
99 foi há oito anos atrás! Há pouco mais de oito anos os timorenses foram torturados e assassinados. Estes são os factos, uma crua e triste realidade para este povo e para a Humanidade, porque a Humanidade não pode fechar os olhos ao assassínio da sua espécie.
E não obstante a violência que sofreram, ou até por causa dela (os psicólogos lá palpitarão), eles próprios lançam mão da violência tão gratuitamente que é quase assustador. O apedrejamento, o desmembramento à catanada e a violência doméstica é praxis. Eu falo com a Eliza sobre o assunto e ela lança o seu riso nervoso. Eliza fala-me da sua filha e das suas rotinas. Eliza é franzina, muito franzina, deixando-nos estupefactos com a imagem da gravidez e da maternidade.
Eliza, como o senhor Francisco, grew on me. Com todas as precauções que uma malae deve tomar quanto a confiar.
Não, eu não tenho medo. De facto não tenho. Penso em tudo que ouço, no que vai acontecendo mas não tenho medo de aqui estar. E quando me sinto mais só ligo a um dos dois amigos que fiz.
Daqui a pouco José vem e eu, entre outras coisas, poder-lhe-ei contar tudo o que ouvi e até também indicar-lhe os locais, como me fizeram. Depois virá o Rui, o Rodolfo e a Lígia e poderei dizer-lhes e mostrar-lhes o mesmo.
José levará com ele tudo que ouviu de mim e do senhor Francisco e quem sabe uns presentes de Natal. Afinal o Natal avizinha-se e eu estarei aqui, longe do bulício das compras natalícias de última hora, dos telefonemas e sms que entopem o telemóvel. Já agora o meu número de telemóvel é o timorense, aquele que vocês já têm.

Monday, November 19, 2007

fiquei sem o tm...

Amigos meus,

fiquei sem o vil do telemóvel (um pequeno furto, pelo meu desleixo em deixá-lo em cima da mesa do café), pelo que perdi os vossos contactos telefónicos!
Queiram fazer o obséquio de enviarem para o meu email pessoal o vosso número!!
Muito agradecida!

Sunday, November 18, 2007

Domingo, 18 de Novembro...

Hoje a minha mãe tem grande motivo para ficar feliz, fui de novo à missa. Não fui em sacrifício ou obrigação, mas sim com a imensa vontade de estar na casa de Deus e partilhar com a comunidade o ritual dominical. As portas laterais da igreja estão abertas, corre uma brisa, não obstante os diversos leques nas mãos das senhoras, e vê-se as palmeiras a acenar com o vento, canto emocionada e sinto um contentamento que há muito não sentia na casa Deus (como dizem os Cristãos). Tenho uma maior vontade de me aproximar de Deus à medida que aqui passo os meus dias, mas acredito que a muitos outros haverá a vontade de se afastarem . Não se pense que é por estar infeliz, porque eu sinto-me bem aqui. Consigo antever o quanto esta experiência me vai mudar. Algumas pessoas que vão cruzando o meu caminho são de uma riqueza tal que me sinto privilegiada. Só um tolo poderá deixar de viver a diversidade cultural que aqui se faz sentir. Só um tolo poderá menosprezar as experiências de quem aqui habita, seja Timorense ou Malae. Só um tolo poderá ser intolerante, por obvio medo, da diferença.
A semana foi intensa, a todos os níveis, profissional e pessoal. Bom o profissional é obviamente incontável.
Uma portuguesa que conheço, com quem já almocei e até vegetei numa pura tarde de ócio, entre outras pessoas que também estavam presentes, foi apedrejada a caminho de Baucau. O estado de saúde leva a que seja evacuada para Darwin. Este acontecimento não só nos deixa consternados pelo que aconteceu à rapariga mas também nos alerta para o que nos pode acontecer a cada um de nós. A notícia correu que nem rastilho, a informação é supersónica por estas bandas, fruto dum contacto muito próximo entre todas as pessoas/profissionais. O contacto com o g.o.e. e outras forças policiais e militares, que aqui estão em missão, faz com que estejamos sempre informados sobre os incidentes e alertas aos eventuais. Os acontecimentos de 2006 fizeram mossa na estabilização do país e segurança dos malae que são alvo de pedrada. O senhor Francisco (meu motorista, guia e tradutor) sempre alerta vai-me continuamente alertando para os sítios e horas a que posso e não ir e sair. Continua a dizer-me: -“Timor muito complicado!” –“senhora não pode sair a partir das sete” “- senhora não sai..” ! Hoje, sem o senhor Francisco vou até ao hotel para fazer o meu check out e tomar o meu último pequeno almoço de hotel, passo pelo campo de deslocados logo ao lado e lembrando-me do incidente com a rapariga sinto um desconforto. Não é medo, é desconforto porque sei que não há maneira de prever quando podemos ser alvo de uma pedrada, é o momentâneo momento de lucidez que me diz que não estou segura.
Depois temos os final de tarde por entre as montanhas e o mar, com o céu cor de rosa, a natureza animal de uma riqueza singular e o mar com o seu azul esverdeado que nos mostra onde começa e acaba o coral. Raios de sol batem nas montanhas, iluminado uma determinada encosta, enquanto do outro lado é já escuro.
O tempo não passou por aqui, tudo continua quase intacto, o homem vive na sua mais primitiva natureza e o seu dia é dedicado à sua sobrevivência mais básica. Olho para eles com os meus olhos ocidentais cheios de preconceitos relativos ao bem estar e felicidade. Momentaneamente pergunto-me se sou eu que sou feliz ou se na verdade serão eles. Que tanto procuramos nós e que tanto queremos, que o básico não nos satisfaz?
E continuo a minha corrida por entre caminhos íngremes das montanhas perto de Dili.
Finalmente mudei do hotel! Estou numa pequena casa, num aparthotel, fechado sobre si mesmo com uma piscina e jacuzzi ao centro. Os malae vivem bem. Mobilei a casa ao meu jeito, com móveis de design indonésio, para que me possa sentir em casa! Tais cobrem os sofás e os meus livros estão colocados num dos móveis que comprei. Sinto-me em paz dentro dela mas sinto grande falta do José, porque me parece estar em casa. Já tenho chá de jasmim para o chá das cinco e biscoitos de manteiga!

Wednesday, November 14, 2007

a primeira chuva...

Chove finalmente em Dili! As nuvens escuras deixaram de ser ameaça distante a espreitar das montanhas. Os pingos grossos da chuva batem na janela do hotel e a trovoada faz-se ouvir bem perto. Eu sinto aquela energia que inunda o ar quando troveja, como se um pequeno raio tivesse atingido a ponta do meu dedo e percorresse todo o meu corpo. Atravesso a cidade sempre junto ao mar, correm pequenos riachos em direcção ao mar, nunca antes vistos, a ponte já faz sentido. Os porcos caminham calmamente pela estrada todos ensopados, e não há quem tenha medo da chuva. A cidade fica sem electricidade mais uma vez. O cheiro da terra molhada sobe às narinas. É impossível não ficar feliz. E os meus amigos comunicam também partilhando a sua euforia pela vinda da chuva. A época das chuvas está a chegar e é a única maneira de não me sentir mal pois o imenso calor e poeira da cidade extenuam. O Oscar espreita pela porta com ar inquiridor. E perguntam: quem é Oscar? (riso) Oscar é um boxer simpático que vive em casa do Dudi. O mar que por regra é de um azul vivo torna-se cinzento quase se confundindo com o céu. E pela primeira vez vejo ondas, ainda que bem pequenas. Aumenta a minha vontade de ter casa para que nestes dias possa sentar-me no alpendre a ver a chuva a cair e toda a natureza a tornar-se mais alegre e colorida. Não tendo casa só resta ir para a casa dos amigos, o que também é muito bom! Toma-se chá, conversa-se e ouve-se música. A chuva para e eu peço mais chuva muito mais. Quem diria?!!! Pedir chuva é inédito para mim mas por aqui faz falta! Traz energia com ela.

Saturday, November 10, 2007

Fotografias

As fotografias são cortesia de mana Cátá...

Finalmente nomes...

Chegou ao fim a terceira semana, sinto alguma falta de pequenas coisas, talvez por isso e na posse por fim dos meus bens pessoais, que estavam retidos na alfândega há quase três semanas porque me recusei a pagar uns dinheiros ao pessoal da agência e alfândega, coloquei um bonito vestido, uns stilettos quando atendi a um almoço na impressão interior que ia almoçar na Europa. Rapidamente se desfez essa impressão quando descendo a escadaria do hotel vejo as restantes pessoas de chinelo, calção e blusa, saio para a rua e o calor mostra que usar saltos neste clima é tudo menos boa ideia. A vontade que tenho do ritual do chá das cinco... que pretendo retomar assim que mudar para a minha casa; e a vontade de jantar no japonês em frente a casa na companhia do meu José e do Rui vai espreitando de quando em quando... naqueles momentos em que cansada do calor me assolam esses tempos à memória, como seguramente me virão um dia os tantos momentos bons que tenho passado aqui com a Mana Cátá e Dudi. Finalmente posso revelar nomes!

Mana Cátá e eu fizemos um pequeno jantar de mulheres na quinta feira em resposta a um natural cansaço da semana. O calor, as pessoas e os aborrecimentos que derivam de uma total falta de organização dum país em recuperação e em completo estado de privação de electricidade acaba por colocar qualquer santo num estado de incómodo latente. Sabíamos disso bem sei... mas é inevitável! E não são queixumes... Estamos a gostar de estar cá, muito. Mana Cátá é portuguesa mas como eu (apesar de nos termos adoptado mutuamente como amigas) prefere distância dos portugueses e por isso evitamos ao máximo o contacto com os nossos nacionais. Mana pergunta quais os sumos naturais que o restaurante tem e a empregada responde que só tem refrigerantes, enunciando os diversos ... sprite, sumol, pepsi, ice-tea... – Bom, então pode ser um gin-tónico!!!! Foi a gargalhada... Rua (dois) gin-tónico por favor! E ao sabor de gin-tónico contamos histórias, rimos e tiramos fotografias como se fossemos turistas de férias em Timor.
Vamos contando as nossas peripécias da semana e são muitas, estar em reunião com membros do governo, nos seus gabinetes sem ar condicionado torna a reunião uma sauna, a intensidade do calor tolda as ideias, mas consegue-se com algum esforço, enquanto suamos em bica, trazer a informação que necessitamos. E é esta facilidade de acedermos ao centro de decisão e conhecimento que torna trabalhar aqui deveras interessante.
... No final da semana mana Cáta liga-me dizendo que a minha massagem de uma hora pode ser alterada para hora e meia desde que não me importe que a mesma seja feita por um homem. -“Bom, acho que não!” - respondo eu, o sítio é credível. Mas apesar do meu sim à alteração ligo ao Dudi a questionar quais os usos por estas bandas e se é aconselhável fazer uma full body massage com um homem. Dudi responde-me com alguma reserva dizendo que o local tem boa reputação e que portanto à excepção do meu natural pudor, crê não haver problema. E lá vou eu apostada em experimentar... Minhas amigas, aconselho vivamente! Se inicialmente o estado de alerta pelo cultural pudor nos impede de estar a apreciar a massagem, rapidamente abandonamo-nos ao verdadeiro prazer de uma boa massagem.. Mana Cátá já me tinha alertado para as maravilhosas mãos destes asiáticos pois tinha experimentado hand and foot massage nas mãos de dois tailandeses.
Apesar de ir chovendo nas montanhas, por Dili nada. Está muito calor e os problemas da electricidade, ou seja a sua inexistência porque só há um gerador para abastecer a cidade, persiste. Eu não me posso queixar porque vivo no hotel que tem os seus próprios geradores, que só ocasionalmente, pela natural sobrecarga, deixam de funcionar momentaneamente. Acontece que não ter electricidade origina vários problemas, o que me ocorre contar-vos é o relativo aos alimentos. Não é preciso um génio para perceber que os alimentos que consumimos (quase todos) necessitam de refrigeração. Por isso mesmo e pela continua interrupção de energia que alimenta os frigoríficos, os alimentos tornam-se impróprios para consumo. Muito alimento deitado fora. Pode também acontecer ingerirmos alguns alimentos impróprios e nesse contexto lá fui eu levar uma maça cozida ao Dudi que entretanto se sentiu mal. A minha primeira visita de enfermeira! Um dia deste acontecerá comigo, com certeza!

De resto estou com grande vontade de ir até Bali, viver em Dili é confinante. Já sinto que pertenço a este lugar pois as pessoas que encontro nos vários sítios a que vou são conhecidas, vou cumprimentando A e B, como se estivesse por aí, a diferença é que são quase todos de diversas nacionalidades e o inglês é a língua. Um inglês com pronuncias diversas que me vão alertando para o local de origem de cada um. Já vou falando umas palavras em tétum, e vou já percebendo o que dizem!

Estou esperançada em começar o curso de mergulho para a semana e rapidamente começar a mergulhar, para já tem sido muito snorkeling. Esta semana percebi também que é uma péssima ideia uma mulher malae ir sozinha para a praia ou mesmo duas mulheres. Valeram, talvez, os militares australianos que aparecerem! Há todo um ritual de segurança para as mulheres malae a verificar. Não me assusto com isso, apenas fico alerta para o que posso e não fazer ou para onde posso ou não ir. O senhor Francisco que é o meu motorista segue-me para todo o lado, diz-me: “aqui não senhora, para ali também não. Esta parte é perigosa. Agora não pode abrir porta (quando se aproximam alguns indivíduos timorenses).” O senhor Francisco lá me foi contando depois de duas semanas a conduzir-me pelas estradas de Dili e a cuidar que nada me acontecesse a história da sua vida e as suas orientações políticas. Retraio-me de fazer qualquer comentário político e ouço só as suas opiniões sobre as figuras do Estado. Percebo a sua opinião acerca da presença dos portugueses e dos australianos.

Wednesday, November 7, 2007

Comments

Anyone can write a comment! Rudolfo I'm waiting..

Sunday, November 4, 2007

A segunda semana...

Impõe-se a quem relata acontecimentos ou situações fazê-lo correctamente e portanto, há pelo menos duas expressões que terei que corrigir. A primeira delas diz respeito aos refugiados. Não se tratam de refugiados mas sim deslocados. A definição a seguir, foi estabelecida pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e é oficial;
Um refugiado(a) é toda a pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.
Estes também podem ser refugiados políticos
O meu erro vem da preguiça em verificar o que me dizem. È que há uma tendência, vá-se lá saber porquê, em apelidar os deslocados de refugiados, mesmo no seio das organizações que deviam saber melhor. Não são refugiados porque são timorenses. São timorenses que foram enxotados das suas casas. Assim ouvi a explicação. Tentei informar-me junto de várias pessoas para perceber este fenómeno, porém sinto que não sei o suficiente para em bom rigor vos contar a sua história. Ouvi da boca de alguém, por quem eu tenho já respeito intelectual, um relato, todavia de novo o abordarei com o lápis e caderno para melhor descrever o que se passou. Aliás encontra-se cá a International Organization for Migration, exactamente para tratar da questão dos deslocados. Voltarei a este assunto assim que tiver informação esclarecida.
A segunda correcção tem a ver com o curso de socorros a funções vitais na descrição da minha primeira saída nocturna, o nome correcto do curso é suporte básico de vida. Vocês não sabem mas os meus companheiros de aventura aqui por Timor também lêem o meu blog. Isto porque nos vamos identificando com o que passamos ou sentimos em determinadas alturas.

Bom, posto isto, passo-vos a contar a minha segunda semana por aqui, fazê-lo diariamente é impossível, não obstante os quantos que me pedem informação diária acerca de mim e de Timor. Foram apenas quinze dias e sinto que estou cá há meses. Talvez por estar sempre rodeada de pessoas e sempre com planos para isto e aquilo e ter pessoas que fazem parte do meu dia à dia como se eu aqui habitasse há séculos. E quando vão ali a Bali é como se fossem a Vigo (para os do Porto) e fizessem compras no Corte Inglês, trazendo as últimas modas. A diferença é que é sempre verão, usam-se sempre sandálias e roupas leves e coloridas. Aposta-se nas massagens e nos bons restaurantes, sai-se do circulo vicioso dos expatriados em Dili.

A semana foi curta, dois feriados, o que fez com que a maioria dos expatriados fossem para Bali arejar, os restantes aproveitaram para passear em Timor. Timor-Leste, para quem não sabe, é composta territorialmente pela parte Leste da Ilha de Timor, pela ilha de Ataúro, pela ilha de Jaco e pelo enclave de Oecussi-Ambeno, situada na parte Oeste da Ilha, pertencente à Indonésia.
Estes feriados são os mais importantes por estas bandas, o culto aos mortos é culturalmente muito forte. Aqui também há uma história a contar, mas também não me sinto capaz de o fazer. Ainda agora cheguei e o que ouço não chega para veicular tão importante informação. Quarta-feira à noite há em vários sítios festas de Halloween e lá vou eu a uma, mascarada de mim mesma, acompanhada por uma Pocahontas e uma outra pessoa mascarada de si mesma também. A festa era maioritariamente dos australianos que se divertiram como ninguém e muito divertiram, quem, como eu, apenas olhava.
Na quinta-feira feira fiz da casa de ... (só citarei o seu nome quando me autorizar) quase a minha casa, porque viver em hotel não tem graça alguma. Uma casa que fica em frente ao mar mas tem nas suas costas as montanhas, não distante de Dili, mas o suficiente para ser refugio. Depois de um almoço absolutamente vegetariano lá vamos nós fazer snorkelling para um praia deserta por trás do Cristo Rei. È a minha primeira experiência a avistar os corais, e não obstante a praia não estar limpa, talvez da primeira chuva que desloca todo o lixo colocado ao longo da montanha até à praia, ou talvez porque no dia anterior tinha sido incendiado um barco com mercadoria indonésia ao pé do porto de Dili, a verdade é que, passando os detritos e mergulhando entramos num aquário, essa visão estaria porém muito longe do que eu veria no dia seguinte. E não é só debaixo de água que percebemos que há todo um processo milenar de evolução, as escarpas da praia, mostram despudoradamente as várias fases geológicas ( a geologia já lá vai, e só após alguma pesquisa vos poderei dizer com precisão).

Um beijo muito grande à Mafalda, que me ligou nessa noite à meia noite e eu absolutamente ensonada, porque lentamente ando a recuperar do jetlag, não falei com ela devidamente, e se não lhe liguei a seguir foi porque estive em partes da ilha sem rede móvel, ou, estando, eram períodos do dia não compatíveis com a diferença horária.

Sexta-feira de manhã fui para Ataúro, ilha avistável de Dili, a uma hora de viagem de barco. Soube que o mar entre Ataúro e Dili é uma das zonas marítimas mais profundas do planeta. Assustador!!! Novamente voltarei a este detail com a exacta medida da profundidade.

Lá vamos nós num barco que mais parecia uma casquinha de noz ( embora não comparável com a espécie de pirogas dos pescadores timorenses que atravessam também este mar (que medo!!!) ) e no caminho avistamos golfinhos, às dezenas, e baleias que passam mesmo junto ao barco, nessa altura silencioso. Que emoção, somos crianças a apontar euforicamente para aquele mamífero gigante. Prosseguimos para as barreiras de coral na costa da ilha de Ataúro. Lá chegados pegamos no equipamento de snorkelling e dois no equipamento de mergulho. Estamos num local onde se avistam já os corais mas o local onde descemos para entrar no mar tem uma profundidade de 100 metros, é escuro como o breu e para mim é impossível não sentir um natural temor pela minha vida. Que bichos se encontram ali, eu não sei!!! A água essa continua a uma temperatura de 30 graus (digo eu). Lá desço eu a medo, não me atiro, ou mergulho de cabeça, nada disso, muito lentamente desço do barco como se para não acordar quem por ali esteja, e nado rapidamente para a zona do recife e é nesta altura já de cabeça debaixo de água que vejo a grande parede do recife onde habitam mil peixes diferentes, multi-coloridos. No recife a vida é inenarrável, as cores, os formatos, sentimo-nos num aquário gigantesco, os peixes nadam à nossa volta, os corais movimentam-se com as correntes... Bem sei, quereis fotografias...

O sol está intenso, o calor aperta e nada mais resta senão estarmos dentro de água a snorkellar, eu nado até uma praia deserta, inacessível, por terra e sinto-me uma naufraga num livro do Robinson Crusué, ou isso ou uma personagem da saga Bond.

O sábado também foi neste registo, com outro grupo de pessoas parto para o distrito de Liquiça, a ideia é a maioria fazer mergulho. Eu fico-me pelo snorkelling, por enquanto! Lá vamos nós pelas pretensas estradas, quase sempre à beira mar, e assim vou conhecendo Timor. A primeira praia onde se pára não tem nome, e tento, sem sucesso fazer snorkelling enquanto os outros fazem mergulho. As água estão turvas e quando chego à zona dos corais a maré está muito baixa, o que significa dizer ter os corais praticamente na minha barriga e se nado um pouco mais além a profundidade é de tal ordem que permite que as baleias por lá andem, como nós posteriormente avistámos.
A segunda praia onde paramos e almoçamos chama-se maubara, é também considerado um óptimo local para mergulho.

De volta ao final da tarde consigo comprar, logo a seguir a maubara, artesanato timorense, concretamente os panos tradicionais. E já meia timorisada ando com eles em volta da cintura como se fossem uma saia.

Hoje fui à missa celebrada em inglês por um padre filipino. A missa quase toda cantada, incentivava à participação de todos, das missas mais bonitas em que participei, não obstante o calor, a simplicidade da igreja e o coro, que éramos todos nós, leigos na cantoria.
É que há, como ouvi a alguns (inclusive que professam religiões diferentes), necessidade de alimento para a alma.

Hoje foi a primeira vez que me senti menos bem fisicamente, creio estar desidratada. De resto, não pensem que há convulsão social tamanha que justifique ser comentada, uma ocasional pedra voa em direcção aos veículos dos malae mas nada que justifique a informação de que este país não é seguro para o turismo. Venham daí ver o mundo submarino narrado nas crónicas de Julio Verne.

Tuesday, October 30, 2007

Blue moon

Não consigo esquecer domingo à noite, que maravilhoso momento da minha vida, onde tudo fazia sentido. Descobri a blue moon, a segunda lua cheia do mês grande e amarela que em contraste com o céu escuro o torna de um azul petróleo fascinante. A baía ilumina-se de um prateado singular, e a cidade sem luz torna-se brilhante recortada pelas montanhas que a rodeiam. Jantei no ocean view, que mais não é que um estrado de madeira montado na areia, com o mar aos pés, apenas as velas e a lua iluminam o jantar. Um jantar delicioso pela companhia que me parece vir a ser um bom amigo, a ver vamos.
Mas é o exacto momento de volta para o hotel, dentro do jipe conduzido muito devagar, enquanto se falava de literatura, que vejo as bancas de madeira ainda com os legumes e outros produtos e as cabanas onde vivem os locais iluminadas por pequenas velas, pontos brilhantes ao longo da estrada de terra batida, com a baía iluminada e a lua alta. Ainda que use todos os adjectivos e elabore na minha descrição, é impossível transcrever com o exacto sentimento o que senti e o que vi.
Não pode este momento ser vítima do ciúme. Prometo tentar que vivam um momento assim quando me visitarem, sendo certo que são os olhos de cada um de nós que o torna especial.

Não pensem porém que tudo é lindo e o quadro perfeito. As intervenções nos campos de refugiados produz tensão e sente-se, eu sinto, algum desconforto quando caminho na rua. Como um dos países mais pobres do mundo, Timor vê as suas crianças a aglomerarem-se em torno dos malae a pedir. Muito sujos, com a cara cheia de lama correm a pedir rebuçados, olhos gigantes castanhos e com voz estridente para chamar a atenção. E quando queremos resolver algum assunto já há, neste muito jovem país, a natural tendência para se extorquir dinheiro dos mais incautos ou dos que não se incomodam desde que vejam satisfeitas as suas necessidades.

Sunday, October 28, 2007

A primeira semana...

Chega ao fim a primeira semana em Timor. A intensidade dos acontecimentos não me permitiram sentir falta, não me permitiram pensar o quão estranho me é este país. As pessoas são pessoas em qualquer parte do mundo, e movidas pela solidariedade tornam-se solicitas e prestáveis para com quem chega. Entre inúmeras festas conheço muitos malae que por aqui vão estando. A primeira festa de aniversário, a primeira lua cheia, a primeira aula de yoga, a primeira aula de aeróbica, as apresentações espontâneas e os convites para jantar. Os primeiros telefonemas com convites ou apenas olá... E tudo isso me faz sentir bem vinda. Penso já nos móveis com que decorarei a casa e o jardim. Muito fica por contar pois estaria a identificar pessoas e situações, mas com certeza tudo o que ouvi me fará aprender a viver num novo país.
Escuto atentamente as conversas, ávida por aprender o possível sobre a minha nova casa. Há, parece-me, um denominador comum em todas estas pessoas, a vontade de participar na construção, a utilidade do que são e do que podem fazer em prol de uma sociedade melhor.

Momentos mais marcantes entre os outros inenarráveis

A primeira aula de aerobica.
Por entre os quase escombros de um edifício pertencentes a um clube local reuniram-se meia dúzia de pessoas, com a comum vontade de praticar desporto e se manterem em forma. Entre paredes chamuscadas e a lua a iluminar o recinto, a diversão foi total. Não faltou a música e os alteres para exercitarmos animadamente os músculos. Nenhuma fotografia poderia reproduzir o que se sente num local assim. Aí percebi que a vontade poderá sempre superar eventuais impossibilidades a que nos habituou o Ocidente em paz. E deitados em toalhas sobre um chão muito sujo fizemos os nossos exercícios e lá em cima a lua cheia sorridente não nos fez esmorecer, pelo menos a alguns...

A primeira saída noturna.
Fui advertida que poderia sentir-me intimidada... senti-me uma personagem num filme americano. Entrei numa das discotecas cá do sítio, sim há efectivamente discotecas, e imediatamente as cabeças dos quantos militares off duty se viraram, a altura dos homens e a sua estrutura física são impressionantes, para quem como eu mede o seu metro e meio. E alguém me dizia, uma mulher, que tendo dançado com um tinha sentido que o mesmo indivíduo estava armado. O seu pensamento, bastante sensato, de resto, era, e se estes homens já alcoolizados se aborrecem com alguma situação??Esperamos sempre pelo melhor. Passei a noite a observar atentamente todos à minha volta. Fui encontrando alguma caras conhecidas com quem fui falando e me informando acerca de uma ou outra coisa. Já tenho indicação onde aprender tetum. Tentarei fazê-lo o quanto antes. Para mim é essencial.

De volta a casa, ou melhor ao quarto de hotel, deparamo-nos com um acidente. Deitados no chão jazem dois timorenses motociclistas abalroados por alguém. Saímos do jipe e a rapariga com quem estou que tem curso de socorros a funções vitais (se apreendi bem o nome) verifica que o primeiro está morto e ao se aproximar do segundo os quantos que já se encontravam no local gesticularam e falando em tetum dizem também estar morto.
Rapidamente chegam as ambulâncias e a GNR que se encontra cá em missão. Cumprida a função social de auxílio vamos embora. Aprendi no dia seguinte a propósito deste acontecimento que se alguma vez atropelar alguém à noite não devo parar, ligo para o 112 a informar do acidente e sigo para o posto da polícia próximo onde me apresento e relato o acontecido, deverei voltar ao local apenas acompanhada por eles. Questionando se tal comportamento não se afigura incorrecto para com a população, descobri com a resposta que esta seria a via para que a minha segurança não fosse colocada em risco. A população poderá reagir contra os malae nestes casos.
E não obstante a confusão que isso me causa percebo ser a via a tomar.

Primeiro dia de praia.
As praias variam entre areia branca e areia escura (não será preta, mais parece avermelhada, não sei precisar), denominador comum das praias próximas de dili – existem detritos, garrafas de vidro, plásticos, pontas de cigarro entre outros, mas a água, essa, é indescritível. É inviável refrescar dentro de água em dias de extremo calor, a temperatura da água não o permite. Não sei se há peixes ou outros seres vivos estranhos e perigosos, tento não pensar nisso enquanto nado e sinto os corais por baixo de mim. Tenho a ilha de Ataúro em frente e nas minhas costas as montanhas que acabam na estrada da praia do Cristo Rei.

Não vos poderei dizer aqui o nome das pessoas que me acompanharam nestes episódios, mas a elas devo, com grande agradecimento, o bom início na minha esperada longa estadia por Timor.

Tuesday, October 23, 2007

O primeiro dia...

Agora sou uma Malae, e não uma Malae de dias contados pelo calendário de férias, vim para ficar por uns tempos, porque na vida só ficamos por uns tempos! Atordoada pelo calor não senti nenhuma emoção especial quando cheguei. Olhei a ilha da janela do avião com a natural curiosidade de quem chega a um lugar novo. Mais que isso não senti, talvez uma pontada de decepção por não ter a vegetação tão luxuriosa quanto esperada.
O atavismo do calor e dos dois dias a viajar foi subitamente interrompido quando a mala onde tinha o passaport e o laptop desapareceram da cabine do avião. E numa correreria tentou-se evitar o pior. O único pensamento que me ocorreu foi "como vou eu entrar no país ou voltar à origem? "Enfim tudo se resolveu. Um timorense a quem a mãe lhe tinha falecido, desaustinado pelo facto, sem querer, trocou as malas.
Foi porém um momento importante para perceber que teria que aprender tetum, o polícia na fronteira dificilmente me compreendeu.Não podemos habitar num país onde não compreendemos a sua língua, ainda que entendido como um dialecto, a verdade é que este povo fala tetum.
O episódio passou, era altura de nos encaminharmos para o hotel. Era altura de ver mais. E pelas estradas empoeiradas e esburacadas foi-se-me apresentando a cidade, sem qualquer emoção, mas jamais esquecerei as tendas dos refugiados que que se avistavam nos jardins, as roupas e alimentos, os porcos nas estradas e as casas velhas e decadentes.
Há muito mais a ver, seguramente com as emoções que não senti...isto é só o início!