Sunday, November 4, 2007

A segunda semana...

Impõe-se a quem relata acontecimentos ou situações fazê-lo correctamente e portanto, há pelo menos duas expressões que terei que corrigir. A primeira delas diz respeito aos refugiados. Não se tratam de refugiados mas sim deslocados. A definição a seguir, foi estabelecida pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e é oficial;
Um refugiado(a) é toda a pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.
Estes também podem ser refugiados políticos
O meu erro vem da preguiça em verificar o que me dizem. È que há uma tendência, vá-se lá saber porquê, em apelidar os deslocados de refugiados, mesmo no seio das organizações que deviam saber melhor. Não são refugiados porque são timorenses. São timorenses que foram enxotados das suas casas. Assim ouvi a explicação. Tentei informar-me junto de várias pessoas para perceber este fenómeno, porém sinto que não sei o suficiente para em bom rigor vos contar a sua história. Ouvi da boca de alguém, por quem eu tenho já respeito intelectual, um relato, todavia de novo o abordarei com o lápis e caderno para melhor descrever o que se passou. Aliás encontra-se cá a International Organization for Migration, exactamente para tratar da questão dos deslocados. Voltarei a este assunto assim que tiver informação esclarecida.
A segunda correcção tem a ver com o curso de socorros a funções vitais na descrição da minha primeira saída nocturna, o nome correcto do curso é suporte básico de vida. Vocês não sabem mas os meus companheiros de aventura aqui por Timor também lêem o meu blog. Isto porque nos vamos identificando com o que passamos ou sentimos em determinadas alturas.

Bom, posto isto, passo-vos a contar a minha segunda semana por aqui, fazê-lo diariamente é impossível, não obstante os quantos que me pedem informação diária acerca de mim e de Timor. Foram apenas quinze dias e sinto que estou cá há meses. Talvez por estar sempre rodeada de pessoas e sempre com planos para isto e aquilo e ter pessoas que fazem parte do meu dia à dia como se eu aqui habitasse há séculos. E quando vão ali a Bali é como se fossem a Vigo (para os do Porto) e fizessem compras no Corte Inglês, trazendo as últimas modas. A diferença é que é sempre verão, usam-se sempre sandálias e roupas leves e coloridas. Aposta-se nas massagens e nos bons restaurantes, sai-se do circulo vicioso dos expatriados em Dili.

A semana foi curta, dois feriados, o que fez com que a maioria dos expatriados fossem para Bali arejar, os restantes aproveitaram para passear em Timor. Timor-Leste, para quem não sabe, é composta territorialmente pela parte Leste da Ilha de Timor, pela ilha de Ataúro, pela ilha de Jaco e pelo enclave de Oecussi-Ambeno, situada na parte Oeste da Ilha, pertencente à Indonésia.
Estes feriados são os mais importantes por estas bandas, o culto aos mortos é culturalmente muito forte. Aqui também há uma história a contar, mas também não me sinto capaz de o fazer. Ainda agora cheguei e o que ouço não chega para veicular tão importante informação. Quarta-feira à noite há em vários sítios festas de Halloween e lá vou eu a uma, mascarada de mim mesma, acompanhada por uma Pocahontas e uma outra pessoa mascarada de si mesma também. A festa era maioritariamente dos australianos que se divertiram como ninguém e muito divertiram, quem, como eu, apenas olhava.
Na quinta-feira feira fiz da casa de ... (só citarei o seu nome quando me autorizar) quase a minha casa, porque viver em hotel não tem graça alguma. Uma casa que fica em frente ao mar mas tem nas suas costas as montanhas, não distante de Dili, mas o suficiente para ser refugio. Depois de um almoço absolutamente vegetariano lá vamos nós fazer snorkelling para um praia deserta por trás do Cristo Rei. È a minha primeira experiência a avistar os corais, e não obstante a praia não estar limpa, talvez da primeira chuva que desloca todo o lixo colocado ao longo da montanha até à praia, ou talvez porque no dia anterior tinha sido incendiado um barco com mercadoria indonésia ao pé do porto de Dili, a verdade é que, passando os detritos e mergulhando entramos num aquário, essa visão estaria porém muito longe do que eu veria no dia seguinte. E não é só debaixo de água que percebemos que há todo um processo milenar de evolução, as escarpas da praia, mostram despudoradamente as várias fases geológicas ( a geologia já lá vai, e só após alguma pesquisa vos poderei dizer com precisão).

Um beijo muito grande à Mafalda, que me ligou nessa noite à meia noite e eu absolutamente ensonada, porque lentamente ando a recuperar do jetlag, não falei com ela devidamente, e se não lhe liguei a seguir foi porque estive em partes da ilha sem rede móvel, ou, estando, eram períodos do dia não compatíveis com a diferença horária.

Sexta-feira de manhã fui para Ataúro, ilha avistável de Dili, a uma hora de viagem de barco. Soube que o mar entre Ataúro e Dili é uma das zonas marítimas mais profundas do planeta. Assustador!!! Novamente voltarei a este detail com a exacta medida da profundidade.

Lá vamos nós num barco que mais parecia uma casquinha de noz ( embora não comparável com a espécie de pirogas dos pescadores timorenses que atravessam também este mar (que medo!!!) ) e no caminho avistamos golfinhos, às dezenas, e baleias que passam mesmo junto ao barco, nessa altura silencioso. Que emoção, somos crianças a apontar euforicamente para aquele mamífero gigante. Prosseguimos para as barreiras de coral na costa da ilha de Ataúro. Lá chegados pegamos no equipamento de snorkelling e dois no equipamento de mergulho. Estamos num local onde se avistam já os corais mas o local onde descemos para entrar no mar tem uma profundidade de 100 metros, é escuro como o breu e para mim é impossível não sentir um natural temor pela minha vida. Que bichos se encontram ali, eu não sei!!! A água essa continua a uma temperatura de 30 graus (digo eu). Lá desço eu a medo, não me atiro, ou mergulho de cabeça, nada disso, muito lentamente desço do barco como se para não acordar quem por ali esteja, e nado rapidamente para a zona do recife e é nesta altura já de cabeça debaixo de água que vejo a grande parede do recife onde habitam mil peixes diferentes, multi-coloridos. No recife a vida é inenarrável, as cores, os formatos, sentimo-nos num aquário gigantesco, os peixes nadam à nossa volta, os corais movimentam-se com as correntes... Bem sei, quereis fotografias...

O sol está intenso, o calor aperta e nada mais resta senão estarmos dentro de água a snorkellar, eu nado até uma praia deserta, inacessível, por terra e sinto-me uma naufraga num livro do Robinson Crusué, ou isso ou uma personagem da saga Bond.

O sábado também foi neste registo, com outro grupo de pessoas parto para o distrito de Liquiça, a ideia é a maioria fazer mergulho. Eu fico-me pelo snorkelling, por enquanto! Lá vamos nós pelas pretensas estradas, quase sempre à beira mar, e assim vou conhecendo Timor. A primeira praia onde se pára não tem nome, e tento, sem sucesso fazer snorkelling enquanto os outros fazem mergulho. As água estão turvas e quando chego à zona dos corais a maré está muito baixa, o que significa dizer ter os corais praticamente na minha barriga e se nado um pouco mais além a profundidade é de tal ordem que permite que as baleias por lá andem, como nós posteriormente avistámos.
A segunda praia onde paramos e almoçamos chama-se maubara, é também considerado um óptimo local para mergulho.

De volta ao final da tarde consigo comprar, logo a seguir a maubara, artesanato timorense, concretamente os panos tradicionais. E já meia timorisada ando com eles em volta da cintura como se fossem uma saia.

Hoje fui à missa celebrada em inglês por um padre filipino. A missa quase toda cantada, incentivava à participação de todos, das missas mais bonitas em que participei, não obstante o calor, a simplicidade da igreja e o coro, que éramos todos nós, leigos na cantoria.
É que há, como ouvi a alguns (inclusive que professam religiões diferentes), necessidade de alimento para a alma.

Hoje foi a primeira vez que me senti menos bem fisicamente, creio estar desidratada. De resto, não pensem que há convulsão social tamanha que justifique ser comentada, uma ocasional pedra voa em direcção aos veículos dos malae mas nada que justifique a informação de que este país não é seguro para o turismo. Venham daí ver o mundo submarino narrado nas crónicas de Julio Verne.