Tuesday, November 27, 2007

toranja em Timor

Pois é verdade, estou eu dentro de um taxi a caminho da minha aula de tétum quando ouço uma música dos Toranja. A marginal está cheia de trânsito, um calor infernal mas a música essa leva-me até casa. E com os olhos do taxista postos em mim, através do espelho retrovisor, perco a vergonha e acompanho o vocalista enquanto olho Ataúro ao longe.

Monday, November 26, 2007

casablanca

Enquanto falava com José e lhe relatava o ambiente do hotel timor, ele com a sua imensa imaginação para a escrita literária me dizia: "isso parece-me o ambiente de um hotel em casablanca durante a segunda guerra mundial, com espiões e tudo...". e de facto, mesmo o aspecto meio decandente do edifício, as ventoinhas sempre girando no teto, as pessoas que entram e saiem, os olhares prescrutadores e as conversas sobre a situação política deixam no ar a ideia... olho em volta e penso nisso, com aquele sorriso que me é típico quando algo de muito engraçado me passa pela cabeça.

Sunday, November 25, 2007

Ode a Dudi...

...em quem eu (sua amiga pimentinha) tenho já respeito intelectual... pela visão livre de preconceito de olhar o outro e o mundo...e não é por fazer parte de uma minoria (uma pessoa que faz parte de uma minoria pode ser tão ou mais preconceituosa)...é por ser quem é...

Eliza

Caminho acompanhada pela minha professora de tétum (chamar-lhe-ei Eliza –personagem do livro de aprendizagem) por entre ruelas e carreiros estreitos ladeados de kolan (valetas fundas por onde correm águas pluviais e outras) que exalam um cheiro nauseabundo. Eliza vai-me mostrar casas, disse-me conhecer casas para arrendar. Eliza que aparenta ser uma muito jovem adolescente, pelo ar e fisionomia pueril, pela expressão amedrontada no rosto e pelo seu sorriso nervoso cada vez que vai contando algum acontecimento, é mãe de uma bebé de 9 meses. Na verdade Eliza tem 23 anos. Eliza tira da sua carteira duas fotografias e mostra-me orgulhosamente a sua filha. Sempre que estou sem o senhor Francisco e tenho aula, Eliza e eu caminhamos juntas para os nossos destinos. O meu é quase sempre o hotel para consultar o meu e-mail e Eliza vai para a Universidade ou para o seu serviço. E nestas caminhadas vamo-nos conhecendo. Ela faz-me a mesma pergunta muitas vezes: “- senhora tem Tauk (medo)?”
“Lae (não)!” respondo. E prossegue a contar os acontecimentos mais sanguinários que ocorreram nos últimos dias. Depois à medida que passamos em casas ou outros locais fala-me das atrocidades ocorridas durante a ocupação indonésia, de 99 e da crise de 2006. E sinto que isto que me conta é um segredo que não sendo meu me impele a não divulgar. Sinto que todos os relatos que tenho ouvido são um segredo. Mas não o deviam ser. Ela relata-me os factos e termina com um riso fino e esganiçado. E só compreendo esse riso por puro nervosismo, porque em tudo que me conta é impossível vislumbrar qualquer centelha de diversão.
99 foi há oito anos atrás! Há pouco mais de oito anos os timorenses foram torturados e assassinados. Estes são os factos, uma crua e triste realidade para este povo e para a Humanidade, porque a Humanidade não pode fechar os olhos ao assassínio da sua espécie.
E não obstante a violência que sofreram, ou até por causa dela (os psicólogos lá palpitarão), eles próprios lançam mão da violência tão gratuitamente que é quase assustador. O apedrejamento, o desmembramento à catanada e a violência doméstica é praxis. Eu falo com a Eliza sobre o assunto e ela lança o seu riso nervoso. Eliza fala-me da sua filha e das suas rotinas. Eliza é franzina, muito franzina, deixando-nos estupefactos com a imagem da gravidez e da maternidade.
Eliza, como o senhor Francisco, grew on me. Com todas as precauções que uma malae deve tomar quanto a confiar.
Não, eu não tenho medo. De facto não tenho. Penso em tudo que ouço, no que vai acontecendo mas não tenho medo de aqui estar. E quando me sinto mais só ligo a um dos dois amigos que fiz.
Daqui a pouco José vem e eu, entre outras coisas, poder-lhe-ei contar tudo o que ouvi e até também indicar-lhe os locais, como me fizeram. Depois virá o Rui, o Rodolfo e a Lígia e poderei dizer-lhes e mostrar-lhes o mesmo.
José levará com ele tudo que ouviu de mim e do senhor Francisco e quem sabe uns presentes de Natal. Afinal o Natal avizinha-se e eu estarei aqui, longe do bulício das compras natalícias de última hora, dos telefonemas e sms que entopem o telemóvel. Já agora o meu número de telemóvel é o timorense, aquele que vocês já têm.

Monday, November 19, 2007

fiquei sem o tm...

Amigos meus,

fiquei sem o vil do telemóvel (um pequeno furto, pelo meu desleixo em deixá-lo em cima da mesa do café), pelo que perdi os vossos contactos telefónicos!
Queiram fazer o obséquio de enviarem para o meu email pessoal o vosso número!!
Muito agradecida!

Sunday, November 18, 2007

Domingo, 18 de Novembro...

Hoje a minha mãe tem grande motivo para ficar feliz, fui de novo à missa. Não fui em sacrifício ou obrigação, mas sim com a imensa vontade de estar na casa de Deus e partilhar com a comunidade o ritual dominical. As portas laterais da igreja estão abertas, corre uma brisa, não obstante os diversos leques nas mãos das senhoras, e vê-se as palmeiras a acenar com o vento, canto emocionada e sinto um contentamento que há muito não sentia na casa Deus (como dizem os Cristãos). Tenho uma maior vontade de me aproximar de Deus à medida que aqui passo os meus dias, mas acredito que a muitos outros haverá a vontade de se afastarem . Não se pense que é por estar infeliz, porque eu sinto-me bem aqui. Consigo antever o quanto esta experiência me vai mudar. Algumas pessoas que vão cruzando o meu caminho são de uma riqueza tal que me sinto privilegiada. Só um tolo poderá deixar de viver a diversidade cultural que aqui se faz sentir. Só um tolo poderá menosprezar as experiências de quem aqui habita, seja Timorense ou Malae. Só um tolo poderá ser intolerante, por obvio medo, da diferença.
A semana foi intensa, a todos os níveis, profissional e pessoal. Bom o profissional é obviamente incontável.
Uma portuguesa que conheço, com quem já almocei e até vegetei numa pura tarde de ócio, entre outras pessoas que também estavam presentes, foi apedrejada a caminho de Baucau. O estado de saúde leva a que seja evacuada para Darwin. Este acontecimento não só nos deixa consternados pelo que aconteceu à rapariga mas também nos alerta para o que nos pode acontecer a cada um de nós. A notícia correu que nem rastilho, a informação é supersónica por estas bandas, fruto dum contacto muito próximo entre todas as pessoas/profissionais. O contacto com o g.o.e. e outras forças policiais e militares, que aqui estão em missão, faz com que estejamos sempre informados sobre os incidentes e alertas aos eventuais. Os acontecimentos de 2006 fizeram mossa na estabilização do país e segurança dos malae que são alvo de pedrada. O senhor Francisco (meu motorista, guia e tradutor) sempre alerta vai-me continuamente alertando para os sítios e horas a que posso e não ir e sair. Continua a dizer-me: -“Timor muito complicado!” –“senhora não pode sair a partir das sete” “- senhora não sai..” ! Hoje, sem o senhor Francisco vou até ao hotel para fazer o meu check out e tomar o meu último pequeno almoço de hotel, passo pelo campo de deslocados logo ao lado e lembrando-me do incidente com a rapariga sinto um desconforto. Não é medo, é desconforto porque sei que não há maneira de prever quando podemos ser alvo de uma pedrada, é o momentâneo momento de lucidez que me diz que não estou segura.
Depois temos os final de tarde por entre as montanhas e o mar, com o céu cor de rosa, a natureza animal de uma riqueza singular e o mar com o seu azul esverdeado que nos mostra onde começa e acaba o coral. Raios de sol batem nas montanhas, iluminado uma determinada encosta, enquanto do outro lado é já escuro.
O tempo não passou por aqui, tudo continua quase intacto, o homem vive na sua mais primitiva natureza e o seu dia é dedicado à sua sobrevivência mais básica. Olho para eles com os meus olhos ocidentais cheios de preconceitos relativos ao bem estar e felicidade. Momentaneamente pergunto-me se sou eu que sou feliz ou se na verdade serão eles. Que tanto procuramos nós e que tanto queremos, que o básico não nos satisfaz?
E continuo a minha corrida por entre caminhos íngremes das montanhas perto de Dili.
Finalmente mudei do hotel! Estou numa pequena casa, num aparthotel, fechado sobre si mesmo com uma piscina e jacuzzi ao centro. Os malae vivem bem. Mobilei a casa ao meu jeito, com móveis de design indonésio, para que me possa sentir em casa! Tais cobrem os sofás e os meus livros estão colocados num dos móveis que comprei. Sinto-me em paz dentro dela mas sinto grande falta do José, porque me parece estar em casa. Já tenho chá de jasmim para o chá das cinco e biscoitos de manteiga!

Wednesday, November 14, 2007

a primeira chuva...

Chove finalmente em Dili! As nuvens escuras deixaram de ser ameaça distante a espreitar das montanhas. Os pingos grossos da chuva batem na janela do hotel e a trovoada faz-se ouvir bem perto. Eu sinto aquela energia que inunda o ar quando troveja, como se um pequeno raio tivesse atingido a ponta do meu dedo e percorresse todo o meu corpo. Atravesso a cidade sempre junto ao mar, correm pequenos riachos em direcção ao mar, nunca antes vistos, a ponte já faz sentido. Os porcos caminham calmamente pela estrada todos ensopados, e não há quem tenha medo da chuva. A cidade fica sem electricidade mais uma vez. O cheiro da terra molhada sobe às narinas. É impossível não ficar feliz. E os meus amigos comunicam também partilhando a sua euforia pela vinda da chuva. A época das chuvas está a chegar e é a única maneira de não me sentir mal pois o imenso calor e poeira da cidade extenuam. O Oscar espreita pela porta com ar inquiridor. E perguntam: quem é Oscar? (riso) Oscar é um boxer simpático que vive em casa do Dudi. O mar que por regra é de um azul vivo torna-se cinzento quase se confundindo com o céu. E pela primeira vez vejo ondas, ainda que bem pequenas. Aumenta a minha vontade de ter casa para que nestes dias possa sentar-me no alpendre a ver a chuva a cair e toda a natureza a tornar-se mais alegre e colorida. Não tendo casa só resta ir para a casa dos amigos, o que também é muito bom! Toma-se chá, conversa-se e ouve-se música. A chuva para e eu peço mais chuva muito mais. Quem diria?!!! Pedir chuva é inédito para mim mas por aqui faz falta! Traz energia com ela.

Saturday, November 10, 2007

Fotografias

As fotografias são cortesia de mana Cátá...

Finalmente nomes...

Chegou ao fim a terceira semana, sinto alguma falta de pequenas coisas, talvez por isso e na posse por fim dos meus bens pessoais, que estavam retidos na alfândega há quase três semanas porque me recusei a pagar uns dinheiros ao pessoal da agência e alfândega, coloquei um bonito vestido, uns stilettos quando atendi a um almoço na impressão interior que ia almoçar na Europa. Rapidamente se desfez essa impressão quando descendo a escadaria do hotel vejo as restantes pessoas de chinelo, calção e blusa, saio para a rua e o calor mostra que usar saltos neste clima é tudo menos boa ideia. A vontade que tenho do ritual do chá das cinco... que pretendo retomar assim que mudar para a minha casa; e a vontade de jantar no japonês em frente a casa na companhia do meu José e do Rui vai espreitando de quando em quando... naqueles momentos em que cansada do calor me assolam esses tempos à memória, como seguramente me virão um dia os tantos momentos bons que tenho passado aqui com a Mana Cátá e Dudi. Finalmente posso revelar nomes!

Mana Cátá e eu fizemos um pequeno jantar de mulheres na quinta feira em resposta a um natural cansaço da semana. O calor, as pessoas e os aborrecimentos que derivam de uma total falta de organização dum país em recuperação e em completo estado de privação de electricidade acaba por colocar qualquer santo num estado de incómodo latente. Sabíamos disso bem sei... mas é inevitável! E não são queixumes... Estamos a gostar de estar cá, muito. Mana Cátá é portuguesa mas como eu (apesar de nos termos adoptado mutuamente como amigas) prefere distância dos portugueses e por isso evitamos ao máximo o contacto com os nossos nacionais. Mana pergunta quais os sumos naturais que o restaurante tem e a empregada responde que só tem refrigerantes, enunciando os diversos ... sprite, sumol, pepsi, ice-tea... – Bom, então pode ser um gin-tónico!!!! Foi a gargalhada... Rua (dois) gin-tónico por favor! E ao sabor de gin-tónico contamos histórias, rimos e tiramos fotografias como se fossemos turistas de férias em Timor.
Vamos contando as nossas peripécias da semana e são muitas, estar em reunião com membros do governo, nos seus gabinetes sem ar condicionado torna a reunião uma sauna, a intensidade do calor tolda as ideias, mas consegue-se com algum esforço, enquanto suamos em bica, trazer a informação que necessitamos. E é esta facilidade de acedermos ao centro de decisão e conhecimento que torna trabalhar aqui deveras interessante.
... No final da semana mana Cáta liga-me dizendo que a minha massagem de uma hora pode ser alterada para hora e meia desde que não me importe que a mesma seja feita por um homem. -“Bom, acho que não!” - respondo eu, o sítio é credível. Mas apesar do meu sim à alteração ligo ao Dudi a questionar quais os usos por estas bandas e se é aconselhável fazer uma full body massage com um homem. Dudi responde-me com alguma reserva dizendo que o local tem boa reputação e que portanto à excepção do meu natural pudor, crê não haver problema. E lá vou eu apostada em experimentar... Minhas amigas, aconselho vivamente! Se inicialmente o estado de alerta pelo cultural pudor nos impede de estar a apreciar a massagem, rapidamente abandonamo-nos ao verdadeiro prazer de uma boa massagem.. Mana Cátá já me tinha alertado para as maravilhosas mãos destes asiáticos pois tinha experimentado hand and foot massage nas mãos de dois tailandeses.
Apesar de ir chovendo nas montanhas, por Dili nada. Está muito calor e os problemas da electricidade, ou seja a sua inexistência porque só há um gerador para abastecer a cidade, persiste. Eu não me posso queixar porque vivo no hotel que tem os seus próprios geradores, que só ocasionalmente, pela natural sobrecarga, deixam de funcionar momentaneamente. Acontece que não ter electricidade origina vários problemas, o que me ocorre contar-vos é o relativo aos alimentos. Não é preciso um génio para perceber que os alimentos que consumimos (quase todos) necessitam de refrigeração. Por isso mesmo e pela continua interrupção de energia que alimenta os frigoríficos, os alimentos tornam-se impróprios para consumo. Muito alimento deitado fora. Pode também acontecer ingerirmos alguns alimentos impróprios e nesse contexto lá fui eu levar uma maça cozida ao Dudi que entretanto se sentiu mal. A minha primeira visita de enfermeira! Um dia deste acontecerá comigo, com certeza!

De resto estou com grande vontade de ir até Bali, viver em Dili é confinante. Já sinto que pertenço a este lugar pois as pessoas que encontro nos vários sítios a que vou são conhecidas, vou cumprimentando A e B, como se estivesse por aí, a diferença é que são quase todos de diversas nacionalidades e o inglês é a língua. Um inglês com pronuncias diversas que me vão alertando para o local de origem de cada um. Já vou falando umas palavras em tétum, e vou já percebendo o que dizem!

Estou esperançada em começar o curso de mergulho para a semana e rapidamente começar a mergulhar, para já tem sido muito snorkeling. Esta semana percebi também que é uma péssima ideia uma mulher malae ir sozinha para a praia ou mesmo duas mulheres. Valeram, talvez, os militares australianos que aparecerem! Há todo um ritual de segurança para as mulheres malae a verificar. Não me assusto com isso, apenas fico alerta para o que posso e não fazer ou para onde posso ou não ir. O senhor Francisco que é o meu motorista segue-me para todo o lado, diz-me: “aqui não senhora, para ali também não. Esta parte é perigosa. Agora não pode abrir porta (quando se aproximam alguns indivíduos timorenses).” O senhor Francisco lá me foi contando depois de duas semanas a conduzir-me pelas estradas de Dili e a cuidar que nada me acontecesse a história da sua vida e as suas orientações políticas. Retraio-me de fazer qualquer comentário político e ouço só as suas opiniões sobre as figuras do Estado. Percebo a sua opinião acerca da presença dos portugueses e dos australianos.

Wednesday, November 7, 2007

Comments

Anyone can write a comment! Rudolfo I'm waiting..

Sunday, November 4, 2007

A segunda semana...

Impõe-se a quem relata acontecimentos ou situações fazê-lo correctamente e portanto, há pelo menos duas expressões que terei que corrigir. A primeira delas diz respeito aos refugiados. Não se tratam de refugiados mas sim deslocados. A definição a seguir, foi estabelecida pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e é oficial;
Um refugiado(a) é toda a pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.
Estes também podem ser refugiados políticos
O meu erro vem da preguiça em verificar o que me dizem. È que há uma tendência, vá-se lá saber porquê, em apelidar os deslocados de refugiados, mesmo no seio das organizações que deviam saber melhor. Não são refugiados porque são timorenses. São timorenses que foram enxotados das suas casas. Assim ouvi a explicação. Tentei informar-me junto de várias pessoas para perceber este fenómeno, porém sinto que não sei o suficiente para em bom rigor vos contar a sua história. Ouvi da boca de alguém, por quem eu tenho já respeito intelectual, um relato, todavia de novo o abordarei com o lápis e caderno para melhor descrever o que se passou. Aliás encontra-se cá a International Organization for Migration, exactamente para tratar da questão dos deslocados. Voltarei a este assunto assim que tiver informação esclarecida.
A segunda correcção tem a ver com o curso de socorros a funções vitais na descrição da minha primeira saída nocturna, o nome correcto do curso é suporte básico de vida. Vocês não sabem mas os meus companheiros de aventura aqui por Timor também lêem o meu blog. Isto porque nos vamos identificando com o que passamos ou sentimos em determinadas alturas.

Bom, posto isto, passo-vos a contar a minha segunda semana por aqui, fazê-lo diariamente é impossível, não obstante os quantos que me pedem informação diária acerca de mim e de Timor. Foram apenas quinze dias e sinto que estou cá há meses. Talvez por estar sempre rodeada de pessoas e sempre com planos para isto e aquilo e ter pessoas que fazem parte do meu dia à dia como se eu aqui habitasse há séculos. E quando vão ali a Bali é como se fossem a Vigo (para os do Porto) e fizessem compras no Corte Inglês, trazendo as últimas modas. A diferença é que é sempre verão, usam-se sempre sandálias e roupas leves e coloridas. Aposta-se nas massagens e nos bons restaurantes, sai-se do circulo vicioso dos expatriados em Dili.

A semana foi curta, dois feriados, o que fez com que a maioria dos expatriados fossem para Bali arejar, os restantes aproveitaram para passear em Timor. Timor-Leste, para quem não sabe, é composta territorialmente pela parte Leste da Ilha de Timor, pela ilha de Ataúro, pela ilha de Jaco e pelo enclave de Oecussi-Ambeno, situada na parte Oeste da Ilha, pertencente à Indonésia.
Estes feriados são os mais importantes por estas bandas, o culto aos mortos é culturalmente muito forte. Aqui também há uma história a contar, mas também não me sinto capaz de o fazer. Ainda agora cheguei e o que ouço não chega para veicular tão importante informação. Quarta-feira à noite há em vários sítios festas de Halloween e lá vou eu a uma, mascarada de mim mesma, acompanhada por uma Pocahontas e uma outra pessoa mascarada de si mesma também. A festa era maioritariamente dos australianos que se divertiram como ninguém e muito divertiram, quem, como eu, apenas olhava.
Na quinta-feira feira fiz da casa de ... (só citarei o seu nome quando me autorizar) quase a minha casa, porque viver em hotel não tem graça alguma. Uma casa que fica em frente ao mar mas tem nas suas costas as montanhas, não distante de Dili, mas o suficiente para ser refugio. Depois de um almoço absolutamente vegetariano lá vamos nós fazer snorkelling para um praia deserta por trás do Cristo Rei. È a minha primeira experiência a avistar os corais, e não obstante a praia não estar limpa, talvez da primeira chuva que desloca todo o lixo colocado ao longo da montanha até à praia, ou talvez porque no dia anterior tinha sido incendiado um barco com mercadoria indonésia ao pé do porto de Dili, a verdade é que, passando os detritos e mergulhando entramos num aquário, essa visão estaria porém muito longe do que eu veria no dia seguinte. E não é só debaixo de água que percebemos que há todo um processo milenar de evolução, as escarpas da praia, mostram despudoradamente as várias fases geológicas ( a geologia já lá vai, e só após alguma pesquisa vos poderei dizer com precisão).

Um beijo muito grande à Mafalda, que me ligou nessa noite à meia noite e eu absolutamente ensonada, porque lentamente ando a recuperar do jetlag, não falei com ela devidamente, e se não lhe liguei a seguir foi porque estive em partes da ilha sem rede móvel, ou, estando, eram períodos do dia não compatíveis com a diferença horária.

Sexta-feira de manhã fui para Ataúro, ilha avistável de Dili, a uma hora de viagem de barco. Soube que o mar entre Ataúro e Dili é uma das zonas marítimas mais profundas do planeta. Assustador!!! Novamente voltarei a este detail com a exacta medida da profundidade.

Lá vamos nós num barco que mais parecia uma casquinha de noz ( embora não comparável com a espécie de pirogas dos pescadores timorenses que atravessam também este mar (que medo!!!) ) e no caminho avistamos golfinhos, às dezenas, e baleias que passam mesmo junto ao barco, nessa altura silencioso. Que emoção, somos crianças a apontar euforicamente para aquele mamífero gigante. Prosseguimos para as barreiras de coral na costa da ilha de Ataúro. Lá chegados pegamos no equipamento de snorkelling e dois no equipamento de mergulho. Estamos num local onde se avistam já os corais mas o local onde descemos para entrar no mar tem uma profundidade de 100 metros, é escuro como o breu e para mim é impossível não sentir um natural temor pela minha vida. Que bichos se encontram ali, eu não sei!!! A água essa continua a uma temperatura de 30 graus (digo eu). Lá desço eu a medo, não me atiro, ou mergulho de cabeça, nada disso, muito lentamente desço do barco como se para não acordar quem por ali esteja, e nado rapidamente para a zona do recife e é nesta altura já de cabeça debaixo de água que vejo a grande parede do recife onde habitam mil peixes diferentes, multi-coloridos. No recife a vida é inenarrável, as cores, os formatos, sentimo-nos num aquário gigantesco, os peixes nadam à nossa volta, os corais movimentam-se com as correntes... Bem sei, quereis fotografias...

O sol está intenso, o calor aperta e nada mais resta senão estarmos dentro de água a snorkellar, eu nado até uma praia deserta, inacessível, por terra e sinto-me uma naufraga num livro do Robinson Crusué, ou isso ou uma personagem da saga Bond.

O sábado também foi neste registo, com outro grupo de pessoas parto para o distrito de Liquiça, a ideia é a maioria fazer mergulho. Eu fico-me pelo snorkelling, por enquanto! Lá vamos nós pelas pretensas estradas, quase sempre à beira mar, e assim vou conhecendo Timor. A primeira praia onde se pára não tem nome, e tento, sem sucesso fazer snorkelling enquanto os outros fazem mergulho. As água estão turvas e quando chego à zona dos corais a maré está muito baixa, o que significa dizer ter os corais praticamente na minha barriga e se nado um pouco mais além a profundidade é de tal ordem que permite que as baleias por lá andem, como nós posteriormente avistámos.
A segunda praia onde paramos e almoçamos chama-se maubara, é também considerado um óptimo local para mergulho.

De volta ao final da tarde consigo comprar, logo a seguir a maubara, artesanato timorense, concretamente os panos tradicionais. E já meia timorisada ando com eles em volta da cintura como se fossem uma saia.

Hoje fui à missa celebrada em inglês por um padre filipino. A missa quase toda cantada, incentivava à participação de todos, das missas mais bonitas em que participei, não obstante o calor, a simplicidade da igreja e o coro, que éramos todos nós, leigos na cantoria.
É que há, como ouvi a alguns (inclusive que professam religiões diferentes), necessidade de alimento para a alma.

Hoje foi a primeira vez que me senti menos bem fisicamente, creio estar desidratada. De resto, não pensem que há convulsão social tamanha que justifique ser comentada, uma ocasional pedra voa em direcção aos veículos dos malae mas nada que justifique a informação de que este país não é seguro para o turismo. Venham daí ver o mundo submarino narrado nas crónicas de Julio Verne.